Histoire du cannabis

História da cannabis desde as origens até aos dias de hoje

Romain Lyomat

Apesar do turbilhão de polémicas que hoje rodeia o cannabis, e nomeadamente o debate sobre a legalidade do cannabis e da marijuana, poucas plantas tiveram uma história tão densa, complexa e singular, uma verdadeira "história antiga" do cannabis através dos tempos. Verdadeiro parceiro da humanidade desde a aurora das civilizações, o cannabis atravessou os continentes, modificou os seus usos e a sua reputação, conforme os contextos culturais, médicos, económicos e políticos.

História do cannabis desde as origens até aos dias de hoje

As origens: uma planta no coração das antigas civilizações

Há cerca de 12 000 anos, quando a sedentarização se intensificava no Neolítico, o cânhamo – Cannabis sativa – já fazia parte do quotidiano na Ásia Central, particularmente na atual região da Mongólia e do sul da Sibéria. Descobertas arqueológicas atestam a sua domesticação muito precoce, nomeadamente para a fabricação de fibras têxteis, cordas e mesmo ferramentas.

Progressivamente, estes povos nómadas e agricultores difundiram-na para a antiga China. O registo escrito mais antigo encontra-se no « Shennong Bencao Jing », clássico da matéria médica chinesa, compilado entre 200 e 100 antes da nossa era. O cannabis é reconhecido pelas suas virtudes medicinais (alívio das dores, estimulação da criatividade) mas também pelos seus usos alimentares – as sementes são ricas em proteínas e lípidos.

Um uso triplo: têxteis, medicinal e espiritual

Do Oriente Próximo à Índia, passando pelo Antigo Egito, o cannabis assume diferentes papéis consoante as culturas. Se na China o seu interesse residia sobretudo na resistência da sua fibra de cânhamo e na farmacopéia, a Índia desenvolveu, desde o segundo milénio antes da nossa era, uma relação completamente diferente com a planta: espiritual e mística.

O « bhang », mistura de folhas de cannabis trituradas e leite, acompanha as celebrações religiosas hindus, supostamente para favorecer a meditação e a comunhão com o divino. Quanto aos persas e aos povos citas, utilizam a fúmaça de cannabis em rituais funerários, como testemunham os escritos de Heródoto e as escavações de kourganes antigos.

Período Região Uso principal Particularidade cultural
Neolítico Ásia Central Têxtil, alimentar Primeiras domesticações
Antiguidade China, Índia, Egito Medicinal, espiritual Texto médico, ritos religiosos, alimentação
Idade Média Mundo árabe Recreativo, medicinal Difusão do haxixe, sufismo
Época moderna Europa, América Industrial, médico Cânhamo para a indústria, farmacopéia

Do Mediterrâneo à Eurásia: a cannabis conquista o mundo

Nos primeiros séculos da nossa era, a rota da seda favorece o crescimento do cânhamo, na sua dupla forma têxtil e psicotrópica. Os Árabes desenvolvem o uso do haxixe, derivado da resina da planta, enquanto os Persas refinam as técnicas de extração. No Norte de África, a planta implanta-se profundamente, quer para tecer cordas quer para participar em rituais.

Na Europa, o cânhamo acompanha as grandes aventuras marítimas, servindo de matéria-prima para a fabricação das velas e cordas dos navios na Idade Média e no Renascimento, com efeitos notáveis no desenvolvimento da navegação. É impossível imaginar o crescimento das explorações europeias sem o cânhamo.

Uma idade de ouro ao serviço da saúde

Desde o século XVIII, o cânhamo recupera um lugar de destaque na medicina europeia. Na sequência das expedições coloniais, farmacêuticos e botânicos europeus entusiasmam-se com a utilização médica e as propriedades terapêuticas dos canabinoides presentes na planta, nomeadamente o THC: alívio da dor, tratamento de afecções respiratórias, distúrbios nervosos, espasmos, epilepsia…

Em 1839, o médico irlandês William O’Shaughnessy publica as suas observações sobre o uso médico do cânhamo na Índia, abrindo caminho a uma vaga de experimentações e prescrições no continente europeu. As preparações à base de cânhamo multiplicam-se nas farmacopéias ocidentais, sob a forma de tinturas, extratos e elixires.

Pequena lista das afecções tratadas com cânhamo no século XIX:

  • Reumatismos
  • Asma
  • Dores menstruais
  • Insónias
  • Dores crónicas associadas ao uso de cânhamo

A viragem: criminalização e estigmatização

No século XX, o olhar sobre o cânhamo muda radicalmente. Sob a pressão de movimentos de proibição vindos dos Estados Unidos, a planta é progressivamente associada ao crime e à delinquência, varrendo séculos de tradições médicas e culturais. Em 1925, a Convenção de Genebra sujeita pela primeira vez o cânhamo a uma regulamentação internacional restritiva, rapidamente seguida pela França e outros países europeus.

Instala-se um fenómeno mundial, acentuado nas décadas de 1960 e 1970 pela «guerra contra as drogas» lançada pelos Estados Unidos. Esta política restritiva provoca o desaparecimento dos tratamentos médicos à base de cânhamo e a diabolização da planta junto do grande público. Esquece-se então o cânhamo têxtil, a farmacopéia ancestral e as contribuições inestimáveis para a indústria.

As renascenças do cânhamo: redescobertas, investigação e usos contemporâneos

Desde há cerca de vinte anos, o discurso evolui novamente. As pesquisas científicas, mais rigorosas e independentes, revelam novos aspetos: composição química complexa, possível papel na gestão da dor, de alguns distúrbios neurológicos, impacto do cânhamo, e impacto do canabidiol (CBD) na saúde.

Países reabilitam progressivamente o uso do cânhamo, primeiro na sua forma médica, depois, em alguns casos, para fins recreativos regulamentados. A França mantém-se cautelosa, mas muitas iniciativas institucionais interessam-se pelo potencial da planta, nomeadamente o CBD, os seus derivados e as suas aplicações industriais e ecológicas.

Cânhamo industrial e desenvolvimento sustentável

O cânhamo regressa em força como matéria-prima agrícola:

  • Material de construção ecológico (betão de cânhamo)
  • Papel com baixo impacto ambiental
  • Têxtil natural e resistente
  • Uso em fitorremediação para descontaminar solos

O cannabis jurídico e industrial, outrora ignorado, surge como um elemento essencial na transição agrícola para modelos mais responsáveis.

Foco no CBD: o surgimento de uma nova perspetiva

Os avanços em torno do CBD transformam hoje a imagem do cannabis. Longe dos psicotrópicos, esta molécula não provoca dependência nem efeito euforizante. O seu quadro legal em França, embora ainda pouco claro, permite-lhe conquistar um público cada vez maior, preocupado com o bem-estar natural, acompanhamento terapêutico e estilos de vida saudáveis.

Pequenas aplicações modernas do CBD:

  • Gestão do stress e da ansiedade
  • Melhoria do sono
  • Alívio de dores inflamatórias com o uso de cannabis
  • Acompanhamento durante tratamentos intensivos

Cronologia simplificada da evolução do cannabis

Época Evento marcante
- 12 000 a.C. Domesticação na Ásia Central
- 2000 a.C. Chegada à Índia e China, primeiros trabalhos médicos
Antiguidade egípcia Primeiras utilizações espirituais e recreativas
Séculos XI-XV Difusão no Norte de África & Europa (fibras/têxtil)
Séculos XVIII-XIX Medicalização no Ocidente
Anos 1920 Criminalização internacional
Século XXI Retorno médico e industrial, legalização parcial

A influência na sociedade e na cultura

É impossível falar do cannabis sem mencionar o seu impacto na arte, literatura, música e sociedade civil. Cannabis e criatividade andam de mãos dadas para alguns escritores e artistas, em muitos países e ao longo de várias épocas.

Algumas personalidades que valorizaram ou questionaram o cannabis:

  • Baudelaire, membro do « club des Haschischins »
  • Os pintores orientalistas do século XIX
  • Os movimentos de contracultura dos anos 1960 (Beat Generation, reggae...)

A planta continua a estimular os debates, interrogando a nossa relação com a liberdade, a saúde, a justiça, mas também com a inovação agrícola e industrial, em particular no que diz respeito ao papel do cannabis.

Entre mitos e realidades: um campo de estudo sempre ativo

A investigação avança, as mentalidades também. Face aos usos múltiplos, à multiplicidade das suas moléculas ativas e ao seu lugar na economia circular, o cannabis provavelmente ainda não deixou de surpreender.

Uma coisa permanece certa: ele faz parte da história humana como um ator secundário mas essencial, oscilando entre remédio, matéria-prima, fonte de inspiração ou motivo de proibição. A sua longa travessia pelos séculos testemunha a nossa capacidade de ver, numa simples planta, um reflexo das nossas sociedades.

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